Criar uma Loja Virtual Grátis
entrevistas
entrevistas

 

Entrevista com Telma Weisz sobre alfabetização inicial

Para especialista, o professor alfabetizador precisa apostar alto na capacidade de seus alunos

Luiza Andrade (novaescola@fvc.org.br)

Ela é a mais respeitada especialista em alfabetização do país. Em sua trajetória profissional, Telma Weisz viveu o conflito de ter trabalhado durante anos numa perspectiva mais tradicional, até ter contato com as ideias da psicogênese da língua escrita. "Aí fiquei furiosa comigo mesma", revela a educadora. Desde então, mudou seu olhar sobre os alunos, percebeu que não se pode subestimar a capacidade intelectual de nenhuma criança, aprofundou-se como ninguém no assunto e, dona de uma generosidade sem igual, dedicou-se a transformar a prática de milhares de professores alfabetizadores por meio do principal curso de formação em Alfabetização do Brasil, o Profa. Hoje, ela supervisiona a versão paulista do programa, o Ler e Escrever, da Secretaria Estadual da Educação. Nesta entrevista a NOVA ESCOLA, Telma abusa de exemplos cotidianos para mostrar equívocos, muitos deles cometidos no passado por ela mesma, que ocorrem na árdua tarefa de ensinar a ler e escrever. E, o mais importante, explica por que eles acontecem, com a autoridade de quem soube, por meio do conhecimento científico, refletir sobre a própria prática para melhorá-la.

NOVA ESCOLA: Ainda há professores que não transmitem informações às crianças por pensar que elas aprendem sozinhas? Qual é a origem dessa dificuldade?

Telma Weisz  Na verdade, isso tem a ver com a própria concepção de ensino. Antigamente, todos tinham a ideia de que ensinar era transmitir informações. Nos últimos 30 anos, quando começamos a descobrir que ensinar é criar condições e situações para a aprendizagem e quando os professores ouviram falar, sem aprofundamento, que as crianças constroem seu conhecimento, muitos acharam que bastava o contato com as letras e o material escrito para que o conhecimento aparecesse naturalmente, por geração espontânea. 

Não sei se ainda há quem pense assim. Eu espero que não, pois é um equívoco. O papel do professor é ser aquele que sabe mais dentro da classe e que valida a informação que circula. Em uma sala, todos estão em atividade intelectual, todos falam, todos elaboram ideias e constroem conhecimento. Não ao mesmo tempo - e esse é outro equívoco -, mas todos têm a oportunidade de expressar o que pensam. A validação deve acontecer, porque todos os saberes que estão sendo construídos são provisórios, elaborados por meio de um processo permanente de aproximação com o conhecimento objetivo.

A interpretação enviesada do construtivismo também tem a ver, em parte, com o fato de que a teoria da psicogênese foi popularizada no Brasil por um conjunto de vídeos de entrevistas com as crianças. O entrevistador, que no caso era eu, buscava tornar visíveis as hipóteses que elas formulam quando estão aprendendo a ler e a escrever. Como o objetivo era deixar que os professores vissem-nas pensando em voz alta, a intervenção era pequena. O que foi mal compreendido é que aquilo não era uma situação de ensino nem de pesquisa. Era uma tentativa de ilustrar o que estava no livro [Psicogênese da Língua Escrita, de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky] e que não era de fácil compreensão. Esses mal-entendidos fizeram com que muitos tivessem dúvidas não só sobre informar ou não, mas sobre o que informar. E essa é uma questão delicada porque não há um guia de coisas permitidas ou proibidas. Depende das circunstâncias e daquilo que as crianças pensam em cada momento. 

Como essas dúvidas se revelam na prática?

Telma Por exemplo, se você tem um aluno que está escrevendo uma letra para cada sílaba e ele pergunta "qual é o MI", você pode dar duas respostas. A primeira é: "MI é o M e o I". E a segunda: "O que você quer escrever?", ajudando-o a encontrar uma resposta que caiba na estrutura teórica com a qual ele está trabalhando. Se o menino já está escrevendo alfabeticamente, a situação é outra, mas também tem suas características. Certa vez, um outro me perguntou "Como se escreve lã?". E eu disse "L, A, til". Quando vi, ele havia escrito "balãsa". Dei uma informação errada, porque não tive o cuidado de perguntar "para escrever o quê?". Há uma quantidade enorme de informações que cabe ao professor oferecer, mas é preciso ter condições e critérios para saber quais estudantes podem aproveitá-las. Isso só se consegue fazendo avaliação constante da classe.

Há muitos anos, em um trabalho de pesquisa, observei uma menina que estava repetindo a 1ª série havia cinco anos. A professora, naquele dia, apresentava à classe o alfabeto (para aquela aluna, pela primeira vez). A garota teve uma crise descontrolada de choro e, quando se acalmou, disse "eu sempre saio da escola no meio do ano porque não consigo aprender as letras. Mas eu não sabia que eram tão poucas. Se eu soubesse, não teria ficado tanto tempo aqui até aprender." É uma informação simples, mas se não é dita, como ela vai saber? Outro exemplo: uma criança pergunta "cozinha é com S ou com Z?" O que você faz? Diz a ela "pense para descobrir?" Não tem como pensar para descobrir. Você tem duas alternativas: mandá-la ao dicionário, o que, em determinadas circunstâncias, é uma perda de tempo, ou aproveitar a situação para explicar que é com Z, mas que, muitas vezes, o mesmo som pode ser com S, ainda que entre vogais. Assim, é introduzida uma série de informações que nem todos talvez possam utilizar, dependendo das condições do grupo. Mas, de qualquer maneira, se isso não vier do professor, de onde virá?

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/alfabetizacao-inicial

 

Entrevista com Ana Maria Kaufman sobre alfabetização

A pesquisadora argentina afirma que as intervenções do professor são essenciais no processo de construção da escrita pela criança

Tadeu Breda (novaescola@fvc.org.br)

Professora de Psicologia e Epistemologia da Universidade de Buenos Aires, a argentina Ana Maria Kaufman também é pesquisadora do Programa Escuelas para el Futuro, da Universidade de San Andrés, na Argentina, e assessora da área de Línguas do Colégio Alas de Palomar. No início dos anos 1970, fez parte de um grupo de pesquisas sobre a alfabetização ao lado de Emilia Ferreiro, Ana Teberosky, Alicia Lenzi, Suzana Fernandez e Lílian Tolchinsk, no qual, segundo ela, nasceu sua paixão pelo tema. É autora de, entre outros livros, Escola, Leitura e Produção de Textos, Alfabetização de Crianças: Construção e Intercâmbio e A Escrita e a Escola. Para ela, "a única forma de alfabetizar é ver a leitura e a escrita como práticas sociais. Ensinadas de forma solta, as letras, as palavras e as normas gramaticais não servem para formar leitores e escritores. Essas coisas apenas têm sentido quando estão incluídas em situações de leitura e escrita". Nos últimos dez anos, ela se dedica ao estudo da construção de resumos escritos. "Resumir é estudar, é reescrever um texto uma vez e outra vez, até que se entenda o que há de mais importante ali. Dentro dessa perspectiva, creio que o resumo é fundamental porque implica a verdadeira compreensão do texto.

Por que é importante promover o contato da criança com a leitura antes mesmo de ela saber ler como os adultos? 
ANA MARIA KAUFMAN Bom, como lê uma criança que ainda não sabe ler? Nesse caso, é fundamental que o professor proporcione situações em que os textos estejam contextualizados, ou seja, que não apresente palavras e frases soltas, sem informação adicional, pautando-se apenas por ensinar as letras e o som das letras. Porque dessa maneira o aluno vai aprender a relacionar as letras, mas não desenvolverá estratégias de leitura. 

Que informações o professor pode passar para estimular a turma? 
ANA MARIA O desenvolvimento dessas estratégias pode ser estimulado em duas situações. Na primeira delas, o texto vem acompanhado de imagens, por meio das quais a criança pode antecipar o que está escrito em função das figuras que acompanham o texto. Isso é possível em contos ilustrados e histórias em quadrinhos, ou seja, é uma ajuda para a leitura da criança. Essa ajuda também pode ser dada por objetos, por exemplo, quando uma criança olha para uma caixinha de leite e consegue não necessariamente ler toda a informação que está ali, mas, por conhecer alguma letra, descobrir onde está escrito "leite". É um processo, porque no começo as crianças antecipam tudo em função da imagem e depois tentam relacionar a imagem com a escrita: "Não, isso que penso não pode ser, pois o que está escrito aqui é muito grande e o que estou querendo dizer é apenas um nome". Os alunos começam a levar em consideração características quantitativas e qualitativas da escrita para saber se o que estão pensando pode ou não pode ser, até que finalmente acabam aprendendo a ler. A outra estratégia é dar às crianças textos sem imagens, mas informando sobre o conteúdo. 

Ele pode utilizar textos previamente conhecidos pelos estudantes? 
ANA MARIA Sim. O professor oferece a estrofe de uma canção que o aluno já conhece ou lhe explica o que está escrito ali. Só então pede que identifique palavras: o que diz na primeira linha? E essa palavra, qual é? Onde está escrito isso? São dois caminhos básicos para proporcionar à criança situações de leitura antes que ela leia convencionalmente e fazer com que se aproxime da leitura convencional lançando mão de boas estratégias de leitura. 

O que a senhora quer dizer com "estratégias de leitura"? 
ANA MARIA Quando lemos, não vemos todas as letras, mas antecipamos em função de algumas letras conhecidas, decidimos e vamos vendo o que é mais e menos importante, prestamos mais atenção quando damos mais importância, relacionamos os dados... É uma estratégia de leitura, por exemplo, descobrir as relações entre diferentes elementos do texto. Se aqui diz "ali", a que esse termo pode se referir? Em algum outro lugar do texto, há uma parte à qual "ali"está fazendo referência. São estratégias que o leitor utiliza. Elas incluem não só o descobrimento dessas correferências, que ligam elementos uns com os outros dentro do próprio texto, mas também das inferências ao não-escrito. A criança pode ir despertando desde cedo para tais estratégias, de acordo com essas propostas.

O que provoca o conflito entre a palavra escrita e as hipóteses do aluno? 
ANA MARIA Há situações de contato com os textos que seguramente vão estimular essa confrontação. São quatro estratégias que podem levar as crianças a avançar: escutar a leitura feita pelo professor, ditar para um mestre escriba, e ler e escrever por elas mesmas.

Como se constrói a relação entre o conteúdo que os alunos já sabem de cor e o mesmo conteúdo que o professor escreve no quadro-negro ou pendura na parede, como nas atividades com cantigas e parlendas? 
ANA MARIA Isso ocorre quando a criança começa a descartar determinadas antecipações: "Não, com essa letra não, porque com essa letra começa a outra palavra que já conheço". Ou seja, há um mal-entendido quando pensam que somos contra o ensino das letras. O que não podemos fazer é ensiná-las numa determinada ordem ou descontextualizadas, mas de outra maneira. Por exemplo, os estudantes trabalham com o nome dos colegas de sala e vão percebendo quais letras estão em cada um deles. Assim, passam a saber que a letra "p" serve para escrever o nome "Paulo". 

A lista de presença, assim, se transforma em instrumento de alfabetização. Que outros recursos podem ser utilizados pelo professor? 
ANA MARIA Propomos que nas salas de Educação Infantil haja dois materiais básicos: o abecedário, mas sem imagens, para que a criança possa visualizar quantas letras há em nosso alfabeto, em que ordem elas aparecem e que essas são todas as letras que existem e sempre estarão nessa ordem quando busco informação numa enciclopédia, agenda ou lista telefônica. No abecedário ilustrado, essa capacidade se perde porque as figuras no meio das letras atrapalham a percepção dos alunos. Além disso, é importante ainda a existência de bancos de dados, com figuras e seus nomes - um cachorro com "cachorro" escrito embaixo -, que esteja à disposição das crianças o tempo todo, para quando ela sinta a necessidade de buscar essa informação. 

Como a criança indentifica as partes de uma estrofe ou de uma canção? 
ANA MARIA Bom, é provável que o professor diga ao aluno: "Você não acha que, quando te dizem 'Alma', você tem de buscar uma palavra com 'a'? Se há mais de uma palavra com 'a', no que você tem que prestar atenção para saber quando diz 'Alma' e quando diz 'Ana'?" Esse trabalho tem de ser feito permanentemente com os estudantes. 

Então a intervenção do professor é importantíssima no processo, não? 
ANA MARIA Sim. É importante que o professor, seja como for, ensine. Porque erros muito sérios foram cometidos pensando assim: ah, se isso é uma construção, a psicogênese, há que se ver como a criança avança, temos de deixá-la... Não, o professor sempre deve ensinar, ler e escrever com as crianças e propor situações de leitura e escrita e fornecer informação. Sempre. Senão alguns alunos poderão aprender, e outros, não.

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/alfabetizacao-inicial